
O premiado filme relata a história de um povoado chamado Vila de Javé que corre o risco de ser extinto devido à construção de uma represa no local. Como solução para que o Vale de Javé não desapareça sob as águas, os moradores decidem escrever a história do povoado, criando assim um documento “científico” para que a cidade venha a se tornar um “patrimônio histórico” a ser preservado. Para esta missão – a de escrever a história de Javé – eles convocam Antônio Biá, um morador um tanto malandro que trabalhava no correio da cidade e já havia inventado histórias acerca dos moradores que o levaram a ser expulso do povoado. Antônio Biá agora se vê obrigado a registrar num livro as contraditórias narrativas dos moradores de como o Vale de Javé surgiu.
O filme propõe várias discussões e reflexões. Entre elas, pode-se citar: a questão do progresso em detrimento de uma cultura e da memória de um povo; o fato da população de Javé ser quase que na totalidade formada por analfabetos, o que os deixa à mercê dos mais instruídos para decidirem seus destinos; o dialogismo com o texto bíblico e as narrativas do povo hebreu; e, especialmente, a abordagem dos temas oralidade e escrita como variedades lingüísticas características de um povo e de como a memória de um povo passada de geração em geração através da oralidade pode ser registrada na escrita.
O personagem principal Antônio Biá se vê diante de uma missão difícil, pois cada personagem tem o seu relato pessoal, a sua versão dos fatos de como se deu o surgimento do povoado. Outro problema que ele encontra é nos detalhes de como a história é contada, pois ele gosta de “florear” os fatos, de aumentar alguns pontos para que a história se torne mais interessante. Como o personagem diz em um dado momento “Uma coisa é o fato acontecido, outra coisa é o fato escrito. O acontecido tem que ser melhorado no escrito (...) para que o povo creia no acontecido.” Isso retoma a discussão do quanto os dados que temos como históricos são verídicos ou não. O quanto de informações históricas foram realmente fatos, ou apenas memórias de um povo passadas oralmente através de narrativas fantásticas? Aqui temos a questão da influência, da interpretação do escritor no ato de narrar a história, como no caso de Biá que gostava de “enriquecer” os detalhes.
O fato é que Antônio Biá chega à conclusão que não será possível salvar o povoado da chegada do progresso. Escrever sobre o passado daquele povo, não os livrariam do futuro. O filme coloca de modo sublime a importância da oralidade na tradição de um povo, quando Biá diz em sua carta de despedida: “Quanto às histórias, acho melhor ficar na boca do povo, porque no papel, não há mão que lhe dê razão.”
O filme merece ser visto tanto pela reflexão que propõe acerca do papel da cultura e tradição de um povo, como pelas belas cenas de humor que os curiosos personagens nos proporcionam.
(Resenha entregue para obtenção de nota da disciplina de "Prática em oralidade e escrita", ministrada pela profa. ms. Klébia Seliane de Sousa na Universidade Potiguar - 3° período. 2011)
Referência:
NARRADORES de Javé. Direção de Eliane Caffé e produção de Vânia Catani. Rio de Janeiro: Riofilme, 2003. 01 DVD (100 min). Son., color., leg., Português.
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